18/06/2006

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Tardes e alvoreceres têm, às vezes, silêncios e cores que fazem apertar meu coração. É uma sensação de que luto contra o correr do tempo, e perco sempre, que estou sendo menos feliz do que poderia, por minha própria incompetência em gerir prioridades e necessidades. Numa tarde como esta, por exemplo, desejaria não ter a lembrança de tantas responsabilidades esperando solução, tanto por fazer.
Tenho sede do alumbramento que
carregam os pequenos acontecimentos (J.)

Feriado, missão cumprida na analista, sem parceiro para almoçar, saí pela cidade procurando um lugar com terraço, varanda, calçada, ar livre, para aproveitar o sol. Fui indo, fui indo e quando vi estava na Barra.
Entrei na grande livraria e pedi "um livro para ler no almoço". A vendedora não entendeu e riu, depois expliquei e ela continuou achando graça. "É, um livro que caiba entre o almoço a sobremesa e o café". Ela me trouxe "A casa de papel", de Carlos Maria Dominguez. Muito esperta, a moça.
Não achei nenhum lugar de acordo, e contentei-me com a nesga de céu que se vê das mesas externas do Adegão Português.
Entrei e sentei, causando o pequeno alvoroço que o vestido fazia por merecer. Em frente, um sósia do Veríssimo.
Decidi almoçar sem ligar para a dieta - azar - e pedi medalhão a Luiz XV, batizado assim por algum motivo secreto. Certamente o nome não tem ligação com o sabor redondo do queijo e da manteiga nos ovos mexidos, nem com a carne ao ponto e bem temperada. Até palmitos, aspargos e cogumelos, em sua semgracice branca, estavam saborosos, e a batata com design de cortador de legumes comprado no Polishop não atrapalhou em nada, só tirou um pouco do romantismo. Se bem que o romantismo já estava seriamente comprometido desde o início, porque parece tremendamente inadequado que o Adegão Português tenha uma filial em um shopping. Adegão não rima com blindex.
Sobremesas feitas com aquela mar de gemas típico da cozinha portuguesa, um infernal toucinho do céu com canela e um rocambole de laranja cujo passaporte garantia ter a receita chegado
diretamente de Algarves. Ao fim, adocei o café com açúcar, em respeito também ao paladar, mas principalmente às especiarias, às navegações e aos portugueses. Não fizeram tanto para eu estragar tudo com Finn.
Tive o impulso irresistível de roubar a nota com a conta, que trazia explicadinho como havia sido o almoço. Documento eletrônico, moderno, Grande Irmão registrando perfeitamente as ações das imperfeitas unidade-carbono chamadas gente, tinha lá: total - R$ 80; tempo de permanência no restaurante (por que isso é importante numa nota fiscal????) 80 minutos. R$ 1 por minuto. Não foi caro ser um pouquinho feliz.

Eu precisava muito, mas muito mesmo, de caneta e papel, para não deixar escapar algumas idéias que vieram bonitas e escorregadias. Entrei na única porta que atendia pela alcunha de papelaria. Parecia mais uma loja de presentes para debutantes. Pedi "um bloco e uma caneta bonita" e a vendedora ofereceu-me umas coisas brilhantes que custavam sozinhas o preço de um contêiner de esfereográficas e cadernetas com mais flores e enfeites que linhas para escrever. A mim bastariam uma boa Bic preta e um bloco pautado daqueles de borda verde, azul ou vermelha que comprava na cooperativa da escola ("cooperativa da escola"? Como foi que lembrei disso??). Chegamos perto do alvo com um kit trazendo lápis, apontador e um bloco fino e comprido, ilustrado com um gato de cara estranha. O conjunto destina-se às listas de compras das donas de apartamento (porque donas-de-casa só da Cidade de Deus pra lá. Na Barra, só donas-de-apartamento), cada item com um pequeno ímã, para que sejam colados nas geladeiras enormeplex em aço escovado. Amei meu bloco de gato!
Visitei a exposição sobre futebol bem quando começava o 20º jogo da Copa:Paraguai X Suécia, uma ironia econômico-social.
Frustrada a intenção de um cineminha, por causa da hora, segui, então, rumo ao trabalho, que naquela tarde não parecia ser "constituição da minha própria humanidade", como aprendi naquele marxismo pesado dos tempos de casada, mas só aquilo que paga almoços, livros e canetas.