21/03/2004

Os dias têm tido cores, aromas e silêncios muito estranhos nas últimas semanas... Antigos... Acho que não gosto. Ora me trazem um tempo em que fui feliz, e que perdi, ora recupera outros tempos, de infelicidades, dos quais não consigo me livrar. Quão perturbadora é a memória...
Há tempos não nascia uma criança na família. E aí nasceu Leonardo. Um acidente, uma irresponsabilidade. Uma dádiva.
Primeiro neto, primeiro bisneto, filho varão do filho favorito, nasceu catalisando atenções. Bonito, lindo - não podendo mesmo ser diferente, posto que os pais têm belos traços. Puxou à mãe, primeira geração da família a driblar os genes poderosos de seu Sílvio e dona Olívia.
Inteligente, sem ser prodígio - existe coisa mais chata que criança prodígio, persona extemporânea dos anos 60? - conversa como adulto e tem desempenho escolar previsivelmente acima da média, motivo de piada porque radicalmente oposto aos do pai e da mãe. Cabe aqui a licença poético-genética de dizer-se que puxou aos tios.
Sensível, intui sentimentos e situações, com sofrimentos de gente grande. Logo, logo vai ser mais maduro que a mãe, que tem por ele um carinho superior a todos os outros, mas que não arrisco chamar de maternal. Mãe, neste caso, é a avó, que roda pião, recorta papel, ensina palavras, escova os dentes e até bate uma bola.
Os mais céticos e racionais podem dizer que ele é o que é porque convive com adultos, foi para a escola cedo, e tal e coisa. Pode ser também. Eu, que não sou propriamente crédula mas sei que bruxas existem, penso tratar-se de uma alma velha e sábia, que já viu bastante, que já conhece a todos nós. Uma alma velha, encarnada num garotinho, causando surpresas, dando lições.